quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma vez por semana

... vejo-me forçada a usar o expresso até Lisboa (fazer uma coisa que não digo, porque vocês não têm nada a ver com isso, ai). Já não metia os pés num autocarro desde os meus tempos de adolescente parvinha (fase essa que ainda não passou totalmente). O rapaz atrás de mim estava completamente bêbado. Fedia a vinho, e quando lhe perguntei se podia recostar o banco para trás e ele me responde com aquela voz a sumir de ébria, eu até senti uma pontinha de inveja. É que uma viagem de duas horas faz-se bem melhor se uma pessoa estiver a cair de bêbada. E então lá vou eu até à capital, descansadinha, com o mp3 enfiado pela cabeça adentro e apreciar a paisagem. Aventurar-me a ir de carro até à baixa lisboeta sem conhecer nada daquilo? Só se fosse maluca. O mais provável seria ir parar à China, o que é chato, porque eu não costumo andar com yuan's na carteira e depois ia ser uma aflição.
Ora já me estou a desviar da história, a ver se me concentro. Isto hoje não está fácil.
E é enquanto espero que o autocarro parta, que vejo um casal de jovens a comerem-se no terminal. Ora, isto à primeira vista não tem nenhum ponto de interesse. Jovens a comerem-se em terminais, jardins e escadarias de prédios é o que se vê mais por aí. Mas os jovens que eu vejo por aí a comerem-se, comem-se de uma forma muito robótica, como se estivessem a comer chupas, caramelos, pastilhas e algodão doce, tudo ao mesmo tempo... uma gulodice sem lasciva.  Mas a intensidade com que estes se estavam a comer captou-me a atenção. O autocarro já trabalhava há cinco minutos e a rapariga era a única que ainda não tinha subido. Completamente absortos um no outro, nada mais existia a não ser eles. Tal qual a paixão deve ser. Tal e qual. Ele agarrava-a pela cara, pelas costas, mordia-lhe os lábios, apertava-a pela cintura, beijava-lhe o pescoço, puxava-a para si pelos cabelos, esfregavam os narizes, abraçavam-se. Quase que choravam (ele, principalmente). E apertavam-se mais e mais, comendo-se a uma velocidade cada vez mais frenética. Parecia uma cenário saído de um qualquer filme de Hollywood, mas bem feito. Nunca vi, aliás, uma intensidade destas tão bem captada numa película.
O tempo a passar, o autocarro prestes a partir e eu começo a ficar genuinamente impaciente. O desfecho daquilo só poderia ser dramático. Já via o INEM a entrar por lá adentro, os médicos de volta do rapaz, que, não aguentando a excitação, teria entrado em paragem cardio-respiratória. Mas não, com muita pena minha, nada disso aconteceu. Ela acabou por subir para o autocarro enquanto ele ficou cá em baixo a acenar-lhe. A acenar ao autocarro, entenda-se, porque do ângulo em que ele estava, não a conseguia ver. Ela em pé, a tentar vê-lo, estica-se toda, o autocarro arranca, ela desequilibra-se e cai em cima de um rapaz que estava sentado e que, tal como eu assistia a tudo, também ele com um mp3 enfiado pela cabeça adentro.
Ficam ambos a acenar um ao outro, (daquela forma que se acena às crianças quando as vamos levar à escola) até ao autocarro sair da gare.
E eu, aliviada por ninguém ter morrido, chego à conclusão de que aquilo foi um momento bonito. Foi bonito de se ver, mesmo. E mais eu nem sou muito a favor desta género de demonstrações publicas de afecto. Óbvio que daqui a dois anos já estão a viver juntos e que passados três meses terão brutais discussões sobre qual dos dois terá deixado a embalagem de leite vazia no frigorífico, mas até lá... enquanto dura este fulgor, é de aproveitar. (e vão dando espectáculos gratuitos aos transeuntes, o que também não é mau) 

26 comentários:

Vegan Wolf disse...

cheia de sorte. =)

Anónimo disse...

Três meses é muito. Se ainda o autocarro não partiu e ela já está sentada no colo de outro... eheheh

Anónimo disse...

Resumindo, não é para ali que se cospe!

Brown Eyes disse...

Foi preciso ires a Lisboa para veres uma cena dessas. Pois é, já não se vêem muitas. Conheci um casal assim, há anos, um casal que estavam constantemente aos beijos, que se comiam em público com uma sofreguidão que só visto. Casaram, nasceu uma menina, a mãe morreu no dia que ela nasceu. Durou pouco aquele amor de paixão arrebatadora. Vejo quase diariamente o rapaz mas aquela paixão nunca mais a demonstrou.
Beijinhos

Johnny disse...

Quando o autocarro avançou pelas estradas fora, já o pensamento do namorado estava distante, a jovem sentou-se ao lado do bêbado que estava comigo e pediu-lhe se podia beijá-lo. Ele arrotou. Foram a comer-se até Lisboa.

Foi assim?

Lazy Cat disse...

Podias sempre trazer o carro até Lisboa, deixá-lo ali para os lado do Campo Grande, se vieres pela A1, ou para os lado do Lumiar, se vieres pela A8, e ires para a baixa de Metro. Mas não sei até que ponto terias vantagem em vir de carro. A não ser talvez por poderes fazer o teu próprio horário. E não teres de levar com bêbados e assim.

Poetic Girl disse...

Que descrição fantástica. Mas a verdade é que os jovens não desperdiçam momentos, somos capazes de desperdiçar mais nós! bjs

Ricardo disse...

Por acaso gostei imenso da descrição pah. realmente, eles que aproveitem... enquanto podem *musiquinha de filme de terror*

Louise disse...

É mesmo isso, quando vejo os adolescentes a comerem-se em locais públicos a coisa é robótica, sem ternura, desejo ou lascivia...
Gostava de ter assistido à cena confesso.

Unknown disse...

estas viagens são muito interessantes, embora eu também seja da linha de não mostrar nada em público.

S* disse...

Apesar do momento casal-lapa altamente dispensável... o amor é bonito!

Teonanizi disse...

Se eu fosse o motorista, podes ter a certeza de que ficariam em terra...

Teonanizi disse...

Ah...
Se estivessem a sós e na cama... nem se mexiam!

;)

Gante disse...

Eu acho isso sempre lindo :) nunca me repugna ver casais aos beijos em público. Eu própria sofro dessa sofreguidão, ahah =p e se o máximo das discussões conjugais for sobre qual dos dois terá deixado a embalagem de leite vazia no frigorífico, então está tudo óptimo :) e nem por isso o fulgor deixa de existir.

Alice disse...

eu sou pela paixão. sou uma romântica trágica!

Doce Melancolia disse...

É mau sim senhora, a fazer inveja aos outros. Pff!

meldevespas disse...

Isso é tudo muito bonito de facto. Mas essas demonstrações publicas de "coisas" deixam-me sempre com o pé atrás. Já nos bichos até acho engraçado.

Petit Joe disse...

Também já fiz esse trajecto de expresso, e também levava duas horas...

Anónimo disse...

Já desconfiava que não és de Lisboa...não leves a mal, não é no mau sentido (se é que há mau sentido).

Talvez devesse-mos ser todos assim...sem pudores e aproveitar mas eu também não gosto destas demonstrações públicas.

Anónimo disse...

Perdi-me no teu blogue completamente!

É raro ver demonstrações de afectos tão grandes

Unknown disse...

É lindo! É bonita a cena, principalmente a forma como a descreves :)

Elsa disse...

Ai que LINDO que é o Amor! Oh pah! Já vale a pena sair de casa para ir de Autocarro até Lisboa e ver uma coisa dessas!

João Roque disse...

Eu torço muito o nariz a tanta "sofreguidão" pública...
As despedidas são difíceis, mas não é preciso tanta fogosidade.
Como será na cama?

NrowS disse...

Ainda ontem tive direito a show idêntico, confortavelmente sentado no meu posto de trabalho com vista panorâmica para a plataforma de uma estação de comboios bem conhecida da nossa praça.
Foi um tanto degradante, admito. Quer dizer, é de louvar a preocupação que ele tinha com o estado de saúde dela, mas a prevenção do cancro da mama faz-se por AUTO-exames e em casa, não é coisa que se deixe por mão alheias e em locais públicos.

Violeta disse...

@meldevespas Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!

Rita disse...

parabéns!!! descobri hoje este blog e adorei adorei!!!

este post então é muitooo fixe, ri-me com vontade8sem ser obrigada..:P)